Os bichos tem muito a nos contar

“Basta que nos livremos do Homem para que o produto de nosso trabalho seja somente nosso. Praticamente, da noite para o dia, poderíamos nos tornar ricos e livres.”
— A Revolução Dos Bichos

 

Lamento informar, mas para decepção de alguns este artigo não trata de bichos de estimação.

Este texto aborda sim um animal – nós humanos – e para isso resolvi escrever  sobre A Revolução dos Bichos de George Orwell.

O livro foi escrito há mais de setenta anos, no entanto é atualíssimo, afinal, uma obra clássica é caracterizada pela atemporalidade.

A Revolução dos Bichos começou a ser escrito nos anos 30, publicado em 1945, entretanto, a leitura certamente prende atenção de uma pessoa que vivia na época da publicação, de alguém que leia hoje, bem como de outrem que for ler daqui há um século.

Arrisco-me a ir além, se fosse possível uma viagem no tempo e retornar ao passado, a obra também atrairia o interesse e se comunicaria com um leitor da  Roma Antiga.

O contexto da publicação é a experiência de George Orwell na Guerra Civil Espanhola em que o autor lutou ao lado de forças socialistas e pôde ver na prática a atuação da máquina comunista e seus expurgos, presenciando o comportamento do aparato do Partido em ação.

Orwell declarou que ele e a esposa tiveram muita sorte de saírem vivos da Espanha, e que viram muitos comunistas vitimados por…. (adivinhem!?)…. outros comunistas.

O autor conseguiu expor magistralmente a natureza humana, os tipos de personalidades, os comportamentos perante a mudança nas relações de poder por meio do antropoformismo.

A “humanização” dos animais no livro é dada pelo fato de que foi atribuído a cada diferente tipo de espécie determinada característica observada em distintos tipos de pessoas e, desta forma, se traça variados comportamentos.

A ideia da obra teve como origem, o desejo de Orwell de escrever sobre sua experiência na Espanha, mas não sabia como exprimi-la de forma que leitores de diferentes culturas e idiomas pudessem compreender.

Até que um dia enquanto ele caminhava, viu um garoto chicoteando fortemente um cavalo toda vez que o animal não seguia pelo caminho que o rapazinho o estava conduzindo.

As chicotadas naquele animal tão forte provocou o escritor a refletir que se o cavalo tivesse consciência de sua própria força nós seres humanos não teríamos a mínima chance contra eles.

A partir dessa situação, o autor teve a ideia de escrever A Revolução dos Bichos.

A rebelião se deu em uma fazenda/granja em que os bichos tomaram a consciência da exploração que sofriam do “gênero humano” e que se conseguissem tomar o poder tudo seria deles

Indubitavelmente teriam mais capim, feno, leite, ovos!

Os potrinhos não seriam retirados de sua mãe, haveria mais descanso, lazer e abundância de alimentos.

Desta forma, os animais se organizaram e conseguiram tomar o poder. Retiraram os exploradores humanos do comando e os botaram literalmente pra correr.

Para não estragar a surpresa e o prazer da leitura eu não irei me aprofundar em detalhes da obra.

Uma das lições principais é o que as pessoas podem fazer com um discurso convincente a medida que logram a adesão das massas, e por conseguinte, na prática conseguem concentrar o poder.

Afinal, isso levou a uma ditadura ainda pior do que a opressão que viviam anteriormente na Granja do Solar de propriedade do Sr Jones.

Os personagens são muito ricos na Granja dos Bichos, novo nome da Granja do Solar após a revolução.

O cavalo trabalha sem contestar e cada vez mais, as ovelhas calam as vozes dissonantes, os porcos  manipulam os demais, entre muitos outros perfis e formas de atuação.

Observa-se até mesmo o  isolamento do líder que com tempo vai acumulando mais poder e centralizando cada vez mais o comando e os recursos.

O grande chefe vai se apartando  montando até mesmo uma guarda pretoriana como ocorreu com Stalin, por exemplo, mas que ao longo da História sempre ocorre com qualquer ditador.

Para finalizar, esse tipo de distopia obviamente é diretamente aplicada ao regime comunista, pois tem um personagem que cabe bastante em Stalin, e outro, o Bola de Neve, que cabe bem em Trotsky, no entanto, não se trata apenas da realidade Soviética, pois em toda estrutura de poder esses tipos de comportamentos de alguma forma podem ser reproduzidos mesmo que parcialmente.

A obra entra na psicologia humana e em nossas relações pessoais e profissionais podemos sim ver na realidade do dia a dia pessoas que podem ser similares aos animais retratados na Granja dos Bichos.

Em termos políticos, aprendemos o que a concentração do poder pode nos conduzir.

Em termos pessoais, aprendemos muito sobre o bicho-homem e certas decepções e surpresas que ocorrem ao longo da vida.

 

Author: Allan Cruz

Allan Cruz é graduado em Ciências Econômicas, paulista, residente em Brasília. Dedica-se à leitura e estudo nos campos da Economia, História, Religião e Filosofia. E-mail: allanrc@gmail.com

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